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José de Souza Araújo

1951 - 2020

Uniu o orgulho da farda e a paixão pela música na mesma carreira.

A expectativa da chegada do primeiro bisneto, que ainda crescia no ventre da mãe, fazia José transbordar de contentamento. Orgulhava-se das gerações que vieram da sua união quase cinquentenária com Rosilda: onze filhos, dezenove netos e Rodrigo, que o tornaria bisavô. A vida lhe permitiu dedicar aos netos tempo e alegria, diferentemente da figura do pai que se ausentou com frequência da rotina familiar por conta do trabalho intenso nos plantões policiais ao longo de décadas. “Era apaixonado pela meninada e estava feliz pelo bisneto, mas não conseguiu vê-lo nascer”, conta Rozalia, a segunda filha do casal.

José também cresceu em uma família numerosa de onze irmãos, nascidos de dois casamentos paternos. Era o primogênito e, ainda jovenzinho, aprendeu a auxiliar o pai, funcionário da Companhia Energética de Pernambuco, no ofício de ligar e desligar, todas as noites, os postes da iluminação pública da pequena Brejo da Madre de Deus, sua cidade natal. Foi lá também que conheceu a futura esposa, a quem recebeu no altar da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Recife, para onde “viajaram exclusivamente para a cerimônia do casamento”, Rozalia salienta.

Mas a capital ainda viria a transformar a vida conjugal tempos depois. Quando ele estava com 21 anos, José e Rosilda, grávida do primeiro filho, mudaram-se para lá para que ele desse o pontapé inicial na carreira militar, introduzida com os estudos e o concurso bem-sucedido para soldado. Vestiu a farda e, a partir daí, dedicou longos anos a ir e vir com a família para o interior pernambucano no serviço como policial. “Moramos em várias cidades. Aonde painho ia, levava a família junto”, a filha relembra. Tinha orgulho da trajetória e das patentes conquistadas com afinco. Um acidente de trânsito durante uma perseguição em viatura, no entanto, abalou sua condição física a ponto de obrigá-lo a se afastar do trabalho. Aposentou-se como segundo-tenente, porém guardou amigos, respeito e muitas histórias. Além de partituras. Porque o Sargento Araújo dos tempos de outrora, como ficou conhecido, era músico oficial da banda da corporação, soando com primor o trombone nos desfiles e nas paradas cívicas. O gosto pela música, também a popular do cantor Nelson Gonçalves, fez com que exigisse dos filhos o mesmo aprendizado. Rozalia conta que ele foi um pai rigoroso, “chegava do serviço e puxava nossas tarefas. Também quis que todos os meninos estudassem música para terem um caminho quando entrassem na polícia, mas ninguém desejou seguir a mesma carreira dele”.

Caseiro e contido por natureza, José foi daquela geração que se dedicou quase exclusivamente ao trabalho, à família e a quem lhe pedisse apoio e, não raras vezes, até sangue. Seu tipo sanguíneo, O negativo, mais raro, tornava-o um doador universal. José nunca vacilou para salvar muitas vidas.

José nasceu em Brejo da Madre de Deus (PE) e faleceu em Recife (PE), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de José, Rozalia Ferreira de Araújo. Este texto foi apurado e escrito por Fabiana Colturato Aidar, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2021.